Publicado em
Ninguém imaginava que o prédio onde funcionou, até a primeira década dos anos 2000, a fábrica da Mate Real, primeira empresa paranaense a beneficiar a erva-mate, guardava um verdadeiro tesouro, nem mesmo a equipe responsável pela reforma do edifício, após a compra do imóvel pelo Instituto Federal do Paraná. Por pouco, o “monte de papel velho” encontrado dentro de uma sala-cofre não teve o lixo – ou o fogo – como destino. “O Pró-Reitor de Administração entrou em contato com a equipe de professores de História do Campus Curitiba para verificar se os documentos tinham alguma importância do ponto de vista didático”, relata o professor Edilson Chaves, que ministra a disciplina de História para os cursos técnicos integrados da unidade.
Da sala-cofre, os documentos foram levados para outra sala. Mais uma vez, o real valor da documentação não foi percebido por aqueles que o transportaram. “Os documentos foram simplesmente depositados no chão, em uma grande pilha. Dava tristeza de ver”, relata a estudante universitária Alessandra do Amaral, formada Técnica em Administração pelo IFPR, a primeira a fazer parte do projeto e a ter contato com o material. Registros contábeis, plantas baixas do edifício, carteiras de trabalho dos anos 30 e até mesmo manuscritos – o documento mais antigo, um livro com registros contábeis, data de 1882 – compunham a pilha de papel, que acabou dando origem ao projeto de pesquisa “O que é isso? É um monte de papel velho – ressignificação de fontes por jovens estudantes em aulas de história”.
Com início em 2013, o projeto conta hoje com a participação de 15 estudantes, entre eles bolsistas ligados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior (Pibic-Jr), Programa de Bolsas Acadêmicas de Inclusão Social (Pbis) e Programa de Monitoria, todos mantidos pelo IFPR, além de voluntários. “Pesquisas que trabalham com fontes primárias, como esses documentos, são muito valorizadas no mundo todo. É uma grande oportunidade para os nossos estudantes, ainda no Ensino Médio, terem esse tipo de experiência”, destaca o professor Chaves.
O projeto tem como objetivo a limpeza, classificação e análise dos documentos encontrados, atividades desenvolvidas pelos próprios estudantes. “As informações coletadas no documento são transpostas para fichas universais, adaptadas à percepção e à linguagem de um jovem estudante. Nessas fichas, construídas nos mesmos moldes daquelas utilizadas no mundo todo pelos arquivos públicos, eles registram suas impressões sobre o documento. Esse é o processo de ressignificação”, explica Chaves.
Dos estudantes envolvidos, 14 deles estão ligados aos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio. Os estudantes pertencem a diferentes cursos – Técnico em Petróleo e Gás, Técnico em Administração, Técnico em Jogos Digitais e Técnico em Edificações – e garantem que o desenvolvimento das atividades do projeto contribui em muitos aspectos, mesmo que não tenham ligação direta com a área do curso técnico que frequentam. “Aumenta nosso conhecimento sobre a história da cidade onde vivemos, aumenta a nossa cultura”, avalia o estudante Mateus Santana Silva, do Curso Técnico em Administração e voluntário no projeto. “Encontramos documentos que remontam ao final do século XIX e que nos ajudam a entender muito do contexto industrial e também social da Curitiba dessa época”, ressalta a estudante Juliana Mara Maia de Andrade Vieira, bolsista e estudante do Curso Técnico em Edificações.
Formação
Os estudantes que atuam no projeto de pesquisa passaram por cursos de formação no Arquivo Público do Paraná, onde aprenderam as corretas técnicas de manuseio, limpeza e arquivamento dos documentos – recentemente, a presença constante dos jovens na instituição foi notícia no site do Governo do Estado do Paraná e no jornal Metro. Em 2015, os estudantes participam dos cursos Introdução à Gestão Documental, Conservação Preventiva, Descrição em Planilha Nobrade e Digitalização e Repositório Digital.
Os próximos passos da pesquisa são a construção de um ambiente virtual onde esses documentos possam ser consultados por outros pesquisadores e também pela comunidade externa, além da oferta de oficinas de conservação de documentos históricos para professores e estudantes dos colégios estaduais e municipais de Curitiba.
Maquinário do início do século XX permanece intacto no edifício
Além dos documentos, outra raridade que o prédio da Mate Real ainda guarda são as máquinas do início do século XX, que permaneceram em funcionamento até o fechamento da fábrica, nos anos 2000. Elas são compostas por grandes estruturas de madeira e metal e eram utilizadas para preparar e embalar os ingredientes das infusões produzidas pela empresa. Ainda não se sabe o destino que elas terão – se serão preservadas ou desmontadas -, já que a edificação deve passar por uma grande reforma para abrigar de forma adequada as salas de aula e laboratórios que atenderão aos estudantes dos cursos técnicos e superiores do IFPR em Curitiba.
Uma das ações do projeto de pesquisa é reproduzir todo esse maquinário, em escala reduzida, por meio do processo de impressão 3D, em parceria com docentes e estudantes do curso Técnico em Mecânica. No entanto, isso está longe de ser o ideal do ponto de vista da preservação da memória daquela que foi uma das empresas mais importantes do Estado. “Nossa luta é para conservar esse maquinário neste espaço e transformar o Câmpus Curitiba em uma escola-museu. Essas instituições são comuns em outros países, especialmente na Europa, mas seria a primeira do gênero no Brasil”, explica Chaves.
Resultados do projeto são apresentados em evento científico
No dia 21 de setembro, os estudantes Jaqueline Ramos, Michele Kosniyzeko, João Gabriel Inácio e Lucas Philipi apresentaram resultados do projeto de pesquisa no VIII Seminário de Educação Histórica, promovido pelo Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (Lapeduh) da Universidade Federal do Paraná.]]>