Ações Afirmativas têm eficácia simbólica e criam um horizonte de expectativas, defende pesquisador da UFPR
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O pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade Federal do Paraná, historiador e sociólogo Hilton Costa*, palestrou nesta quarta-feira (17), no auditório da reitoria do Instituto Federal do Paraná, durante as atividades que celebram a Semana da Consciência Negra.
Ao falar sobre as políticas de ações afirmativas, como as cotas para negros, adotadas pelo IFPR, o professor defendeu a medida por acreditar na “eficácia simbólica” e no “horizonte de expectativas” gerado a partir da implementação dessas políticas.
“Se um dia eu tiver um filho, por exemplo, ele poderá ir ao hospital e encontrar três ou quatro médicos negros, caso contrário fica difícil de a criança se identificar, se sentir representada; as cotas permitem a criação de um referencial, de uma projeção. Esse ponto é pouco explorado, mas isso é fundamental para uma criança se desenvolver e chegar lá”, defende. O pesquisador acredita que as cotas fazem sentido desde que sejam políticas com “data de validade”, ou seja, elas são eficientes ao inserir os negros em espaços antes ocupados apenas por brancos; as cotas dão oportunidade, despertam talentos e iniciam um ciclo, que depois de constituído, deve fluir naturalmente.
Mérito
Um dos pontos centrais utilizados por aqueles que são contrários às cotas é a defesa do mérito individual para o acesso às universidades. “O mérito é seu que estudou bastante ou do seu pai que te financiou? Correr atrás é fundamental, mas quem te dá suporte?”, questionou, deixando que os estudantes refletissem tendo como base a sua própria experiência. “O sucesso e o fracasso geralmente não dependem muito do indivíduo. Você pode ser o melhor pianista, mas sem um bom piano não vai chegar lá”, argumentou.
Para Costa, o racismo se expressa em sutilezas do cotidiano e envolve a disputa pela hegemonia do conhecimento, do poder e do dinheiro. “Você não vai ver racismo na disputa de uma vaga de emprego para gari, por exemplo, porque esse foi o lugar reservado à população negra; as políticas afirmativas incomodam tanto porque projetam pessoas que nos últimos 100 anos não estavam nesse lugar”, explica. Segundo o pesquisador, não foram as políticas afirmativas que excluíram as pessoas nos vestibulares, já que desde a década de 70 o Brasil adota a classificação.
“Se existe um ranking isso quer dizer que sempre muitas pessoas ficaram de fora, mas o sistema é perverso porque ele te convence que a culpa é sua, é simples para o administrador. É mais fácil do ponto de vista estrutural dizer que o negro não chega lá porque não se esforça, ou que alguém não passou no vestibular porque não estudou o suficiente; com isso, sufocamos a discussão sobre a falta de vagas nas universidades”, afirmou.
Em um país que tem 40% de sua população afrodescendente, a inexistência de negros em cargos de gestão ou ocupando vagas nas escolas públicas de elite é motivo para análises mais profundas do que reduzir esse contexto e tentar explicá-lo pelo mérito, pelo esforço individual. “Só os brancos tem força de vontade?”.
Hilton Costa falou sobre as raízes históricas e culturais em que teriam origem as “sutilezas do racismo à brasileira”. “Todas aquelas frases prontas [pau que nasce torto nunca se endireita, ou, a fruta não cai longe do pé] vindas do senso comum já foi a mais refinada ciência do século 19. Hoje essa ciência virou clichê; está na boca de todo mundo”, diz. Um bom exemplo da ciência decadente que se transformou em lugar comum é o Darwinismo Social, utilizado por alguns até hoje para justificar injustiças e desigualdades. Segundo a teoria, baseada na Evolução das Espécies, de Charles Darwin, características intelectuais seriam transmitidas de forma hereditária, explicando assim porque as pessoas ocupam lugares diferentes na sociedade.
“Costumamos achar que o senso comum não vale nada. Mas na verdade, o senso comum é uma fonte de informações, ela reflete a forma como uma sociedade interpreta as coisas. A pergunta que tem que ser feita sempre é porque acreditamos e vemos as coisas dessa maneira e não de outra”, sugere.
Não existe racismo?
A crença na inexistência do racismo no Brasil atual, considerada pelo palestrante como um dos grandes mitos do país, seria uma das causas da perpetuação de práticas racistas, afinal, se não existe racismo, não há o que fazer, tampouco uma bandeira de lutas. “Quando um juiz chega a magistratura dizemos que não existe racismo, mas ninguém pensa que isso demorou 200 anos para acontecer e que é um caso isolado”, comenta.
No Brasil, a sutileza das práticas racistas acabam por reforçar o mito de que o preconceito é coisa do passado. “Tem uma frase emblemática, que ninguém ousa dizer em público, mas que muitos pensam: ‘Não existe racismo no Brasil porque o negro sabe o seu lugar’. O que dizer sobre o fim do racismo se essa frase ainda está na cabeça das pessoas?”, indaga.
Em defesa da tese de que o racismo existe e precisa ser combatido, o professor usou exemplos, especialmente os relacionados à mídia e à moda. “Se você não falasse Português e parasse para olhar revistas na banca da esquina teria certeza de estar na Finlândia ou na Suécia”, disse, fazendo referência às capas de revistas que trazem apenas modelos brancas europeizadas. “São detalhes, sutilezas que para serem notadas exigem um olhar treinado, predisposto”.
Espaços concedidos
Segundo o palestrante, um sistema de dominação para funcionar bem tem que dar a ilusão de que o indivíduo pode avançar. No Brasil, os negros tem as artes e os esportes. “Tem uma coisa muito interessante nisso – no esporte a pessoa faz o espetáculo, mas não é ela que organiza o espetáculo. Está no âmbito da prestação de serviços. Já que os negros têm que participar, que participem como empregados”, dispara. Outro exemplo seriam as funções de responsabilidade. Mesmo sendo destaque no futebol, os negros não ocupam cargos como técnicos dos times da primeira divisão, pois esta seria uma “função de responsabilidade” reservada, infelizmente e por enquanto, aos brancos.
A Semana da Consciência Negra está sendo organizada pelos professores de história do Campus Curitiba, Ederson Prestes Santos Lima, Edilson Chaves e Denilson Schena. “É um momento importante para o IFPR, que tem provocado os professores a inserir os alunos nestas discussões. Temos um desafio, pois ao mesmo tempo em que preparamos para o mercado de trabalho queremos formar cidadãos brasileiros comprometidos e conscientes da sua realidade”, afirmou o professor Ederson.
Após a palestra, houve uma apresentação do Grupo de Capoeira da Fundação de Ação Social (FAS) do Cajuru, com o trabalho educacional Jornada Ampliada, em que os jovens participantes do programa passam o contra-turno escolar realizando atividades. O Grupo que ministra as aulas é a Associação de Capoeira Pai de Salvador.
Clique aqui para ver a programação completa da Semana de Consciência negra no IFPR.
Música indicada pelo palestrante: Haiti, de Caetano Veloso. Ouça aqui.
* Organizador dos livros “Notas de história e cultura Afro-brasileira e “Uma década de ações afirmativas”.
Fotos: Arthur Wistuba