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Neste texto, a professora Vera Lúcia dos Santos Ferbonink, ligada ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) do Campus Avançado Astorga, nos convida a uma reflexão sobre o Dia da Consciência Negra, celebrado neste sábado, 20 de novembro. E ainda traz uma rica seleção de obras que retratam histórias de personagens negras de diferentes partes do mundo. Boa leitura!
Antes de iniciar, gostaríamos de chamar a atenção sobre o quanto deveria causar estranheza, em toda a sociedade, a necessidade de existir uma data específica para a consciência negra cujo intuito é reivindicar direitos sociais, civis e políticos que, em tese, deveriam ser regra e não exceção. No entanto, a necessidade de haver datas dessa natureza nos lembra que ainda há muito a ser feito para que a regra se concretize, e o 20 de novembro pode ser um instrumento importante para isso.
Se é verdade que a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888 foi um marco na busca por ideais civilizatórios, também é verdade que a chamada Lei Áurea foi, na realidade, o resultado da luta de movimentos sociais que, por séculos pressionaram o Estado brasileiro para o fim dessa forma de exploração que, infelizmente, ainda não pode ser considerada erradicada por aqui. Negros e negras são maioria no Brasil (53%), mas estão sub-representados na política, nas universidades, nas chefias de empresa, na mídia, no judiciário e etc. Por outro lado, 2 em cada 3 presos no Brasil atual são negros, o que compõe cerca de 64% da população carcerária brasileira. Observamos, impassíveis, a morte sistemática de jovens negros no Brasil, que chegam a 23 mil vítimas por ano, o que se assemelha aos números de uma guerra civil. As estatísticas nos mostram quem foram os mais afetados pela pandemia de COVID-19 em termos de óbito, desemprego, violência doméstica e insegurança alimentar (fome).
Essa realidade reflete a brutal desigualdade com a qual lidamos desde o período colonial, e a percepção de que os lugares sociais ocupados pelo conjunto das populações negras e brancas são distintos, ainda que vivamos sob uma intensa miscigenação e uma pretensa democracia racial. A mentalidade, portanto, continua embranquecida, e o racismo presente em nossa sociedade. O Dia da Consciência Negra, referência ao dia de morte de Zumbi, um dos líderes do Quilombo de Palmares, em 20 de novembro de 1695, vem, portanto, como uma oposição à tendência de que, na busca por uma “consciência humana”, caiamos numa inconsciência generalizada. Por mais que nos recusemos a aceitar que existe racismo, discriminação e preconceito (“Eu não sou racista, mas…”; “Eu sou negro e nunca sofri racismo”; “Todos temos capacidades iguais, independentemente da cor da pele” e etc.), vamos continuar continuar destilando racismo, discriminação e preconceito, seja pela naturalização do discurso seja pela sua invisibilidade: não falar da questão não faz com que ela simplesmente desapareça.
É evidente que a igualdade é uma meta para todas e todos que buscam a possibilidade de viver em uma sociedade mais justa e democrática. Para isso, certamente o reconhecimento do problema é imprescindível, e o 20 de novembro busca chamar a atenção nesse sentido. Reflexões sobre a questão racial não nascem quando a Isabel é tratada como a “heroína”, que “libertou” os escravizados, mas quando nós, servidoras e servidores da educação, levamos a sério a lei 10.639/2003 (instituída há 17 anos!) mas que, de maneira geral, não encontra o espaço que deveria encontrar nas salas de aula e nas escolas, como projeto institucional, e não dependente apenas de iniciativas individuais de alguém que entende a importância do tema; quando nós trabalhamos para incluir a história da África e dos africanos (que pasmem! não começou e nem terminou com a vinda deles para a América Portuguesa na condição de escravizados) nas salas de aula; quando nós defendemos o sistema de cotas nas universidades públicas; quando nós não fechamos os olhos para casos de racismo e falta de representatividade nas nossas escolas (quantas servidoras ou servidores negros temos nas escolas do IFPR? O Paraná, ainda que suscite um imaginário – equivocado – de colonização europeia e portanto branca, conta com uma população composta por 33% de pessoas negras); quando nós valorizamos as culturas das periferias e das comunidades locais. Pelo fato da abolição não ser mais, em termos legais, uma meta, é preciso ir muito além da Lei Áurea. O 20 de novembro pode ser um passo nesse longo caminho.
Jovens irmãs separadas. Uma no Brasil e a outra na África. Emocionante, lírico e com cenários historicamente ricos, O imenso azul entre nós é uma história sobre laços tão fortes que não se dissolvem com a distância. As gêmeas Hassana e Husseina são separadas após um ataque brutal à sua aldeia, em 1892. A partir desse traumático evento, ambas são escravizadas e seguem caminhos separados, que as levam a diferentes cidades, países e até continentes. Enquanto Hassana fica na Costa do Ouro africana, Husseina cruza o oceano até a Bahia, onde é iniciada no Candomblé. Com o passar do tempo, as irmãs crescem e levam vidas completamente diferentes em muitos aspectos, mas com algo em comum: o sentimento de que há algo faltando. Apesar da distância, elas continuam ligadas uma à outra por meio de seus sonhos. Mas será que o destino as reunirá novamente?
Uma mistura de Corra! e O Diabo Veste Prada, A outra garota negra une elementos de suspense a questões como privilégio, raça e gênero, criando um relato instigante sobre as dinâmicas de poder em uma estrutura social dominada por brancos. Nella Rogers está cansada de ser a única funcionária negra da editora Wagner Books. Quando já não aguenta mais se sentir deslocada e lidar com as microagressões no ambiente de trabalho, o destino parece enfim presenteá-la com uma aliada: outra garota negra, Hazel, passa a trabalhar na baia ao lado da sua. Porém, à medida que Hazel ganha influência e atenção no escritório, Nella vai se sentindo deixada de lado. É então que bilhetes misteriosos começam a aparecer em sua mesa, com um aviso: SAIA DA WAGNER. AGORA. Sem saber quem está por trás das mensagens hostis, Nella entra em uma espiral de obsessão e paranoia. E, conforme outras situações desconfortáveis passam a dominar seus dias, a jovem vê sua rotina ser tomada por um clima de pesadelo e percebe que pode haver muito mais em jogo do que apenas sua carreira. Com uma narrativa inteligente e fora do comum, Zakiya Dalila Harris apresenta em A outra garota negra uma crítica social necessária e um thriller capaz de envolver os leitores em uma onda de expectativa até o fim.
O livro é marcado pelo fluxo de consciência da personagem Rami, que analisa seu lugar de mulher na sociedade moçambicana do período pós-guerra civil tendo como pano de fundo sua união às quatro mulheres de seu marido, Tony, que aceitam dividir o amor de um mesmo homem.
Escritora conhecida por seus cordéis, Jarid Arraes estreia no gênero dos contos em Redemoinho em dia quente. Focando nas mulheres da região do Cariri, no Ceará, os contos de Jarid desafiam classificações e misturam realismo, fantasia, crítica social e uma capacidade ímpar de identificar e narrar o cotidiano público e privado das mulheres.
A história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos.